Conversas com espelho

terça-feira, 21 de outubro de 2008



foto: alone gut


Abro a porta. E logo em seguida a vejo encarar-me com seus olhos cheios de nada. Fico a observar aquele semblante tão estático, ele não me diz nada. Não me revela nenhum traço de fraqueza ou vigor que me ajude a desarmá-la. Por um momento penso que seus olhos se tornam um pouco afáveis, mas rapidamente voltam ao estaticismo habitual. Eu não posso suportar essa passividade e num ato de fraqueza, talvez de descuido meu, pergunto: “Que queres de mim?”, mas em resposta só escuto a repetição de minha pergunta. Longos ecos de um questionamento vão, ela não vai me responder. Disso eu tenho certeza. Mas mesmo assim tento argumentar, dizer que não tenho nada a oferecer. Sou oca. Repleta de um vazio frio que por vezes suga-me ao um território não habitado. È lá que escondo a parte que se perdeu de mim. Nem eu mesma sei o que há por lá. Mas isso não vem ao caso. Ela ainda está lá, plácida, parece que tem todo tempo do mundo. Não consigo olhar em seus olhos, sou imperfeita demais. Então desvio o olhar. Ela não, nunca errou, mantém sempre a cabeça erguida. Mas também não revela isso a ninguém. Eu descobri sozinha, olhando seus pés. Ah, se repararmos nos pés das pessoas... Veremos todos os erros pelos calos, unhas encravadas, joanetes... Mas nos pés dela não há sequer uma unha maior. Eu tenho unhas enormes que não me deixam calçar sapatos bonitos.

Acho que vou abandoná-la ali onde está. Mas quando começo a virar-me sinto que ela também faz o mesmo e então paro. Sinto um medo súbito. “Ela vai deixar-me”, penso. Não estou pronta para essa separação. Preciso do olhar cheio de nada. È ele que me faz ter algum objetivo na vida. Volto a posição em que estava mais fraca e vencida do que já estava. Estou cansada dessa luta. Quero sentar-me, mas ela me impede de fazer qualquer movimento agora. Fico sem poder controlar meus atos, pois se me rebelo ela vai embora. O quê fazer? Não me vem nada na mente e então fico ali por horas, quem sabe dias ou meses. O tempo não importa agora. Surge uma idéia em minha mente, mas não sou ousada o bastante para executá-la. Logo eu, com minhas roupas banais, meu emprego banal, minha postura banal, minha beleza banal. Nunca fui ousada na vida. Será que serrei agora? Se não for acabarei me rendendo de vez aqueles olhos.

Inspiro forte e dou um passo à frente, mas logo paro. È difícil caminhar com o medo montado nas costas. Mais um passo e minhas pernas tremem, eu não sou forte suficiente meu Deus. Mais um. Deus me ajuda nessa hora de incerteza. Sou fraca e sei disso, não posso ir só. Segura em minha mão. Se eu conseguir ultrapassar essa barreira, serei forte, serei mulher. O último passo foi dado. Levanto lentamente meu braço e toco no interruptor. A luz apaga. Agora posso dormir em paz, os olhos não mais me observam e uma paz invade o que eu chamo de lar...



12 comentários:

Mafê Probst disse...

Teu texto está muito bom e ele nos abre um leque de interpretações. Podemos usá-lo na nossa vida, como podemos imaginar que significado ele tem na sua. E é bom quando esse leque se abre...
Nada melhor do que mexer com a curiosidade das pessoas.

Beijão

daniel d'moura disse...

clap, clap, clap!!!!
Qual o curso na facu????
Parabéns e inté!!

Pin-Up Carioca disse...
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Pin-Up Carioca disse...
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Tata disse...

Oie,

Pega teu texto põe embaixo do braço e vai fundo garota!!!!!
Tá ótimoooooo! Vc não vai fazer feio de jeito nenhum pode acreditar!
Me conta como foi depois!
bjinhos

Pin-Up Carioca disse...
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Pin-Up Carioca disse...
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Pin-Up Carioca disse...
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Pin-Up Carioca disse...
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Montarroyos disse...

Será que amanhã o medo volta?

Que tal dormir eternamente??

Adorei o texto. Me vi no teu espelho

Pin-Up Carioca disse...
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Aline disse...

tenho uma sugestão pra te dar:
publique livros!

agora, tenho outra coisa a dizer: amo tu, amarella.

=]

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